segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Laila

Acordou feliz, afinal, aquele dia seria uma nova oportunidade de vê-lo. Antes de se levantar da cama já ensaiava os versos que diria quando o encontrasse. Já eram completamente diferentes daqueles que pensou em dizer quando foi dormir na noite anterior. Estava eufórica. Tomou um banho gelado para que o cabelo ficasse mais bonito. Pintou as unhas da cor vinho. Escolheu de forma tão cuidadosa a roupa que ia vestir, que parecia estar cuidando de um bebê recém-nascido. Preocupou-se em combinar o longo vestido com o anel, o cordão e os brincos. Nada podia sair errado. Também cuidou para que os sapatos estivessem bem limpos, assim como as unhas do pé e o anel que colocou no dedinho do pé esquerdo. “Os detalhes interessam aos homens”. Pensava ela. Durante aquele dia sua respiração estava ofegante. Não se viu tranqüila em nenhum minuto. A ansiedade parecia tomar conta de seu corpo de forma que uma leve tremedeira atacava suas pernas.

Três horas antes já estava pronta. Deu uma volta pelo quintal de sua casa, fez sinal para os conhecidos que passavam pela rua, tentou, mas sem sucesso, continuar a leitura de um livro, ligou o rádio para ouvir alguma notícia, mas nenhuma delas interessava. Fez tudo isso de pé, para não amassar o vestido. Tudo isso sob o olhar recriminador de sua mãe.

Depois de três horas, que mais pareciam três séculos, finalmente o relógio apontou duas da tarde. Estava na hora. Foi ao banheiro da casa, onde um espelho meio quebrado serviu para que ela ajeitasse novamente o cabelo, alisasse o vestido e colocasse o pingente do cordão no devido lugar. A menina foi, então, ao portão da casa, pois o seu interior lhe parecia cheio demais. Precisava de um pouco de ar. E ali mesmo, no portão, esperou.

Dez minutos depois lá estava ele.

O caixão era sisudo, marrom com alças douradas, provavelmente de ouro. Lembrava seus ternos, sempre de tom amarronzado e suas jóias de ouro amarelo. Principalmente, aquele enorme relógio de ouro, que ninguém da pequena cidade de Paramaribo sonhava em ter. Talvez nenhuma pessoa do Suriname inteiro tivesse um relógio tão caro e viçoso como aquele.
Laila ficou parada ali em seu portão esperando o cortejo fúnebre se aproximar. Não poderia e nem queria acompanhar, pois a mulher e as três filhas legítimas de Baodin, desde longe já fitavam seu rosto com um olhar de reprovação maior do que aquele de sua mãe.

Não sentia dor alguma. Na verdade, sentia-se muito bem em saber que o homem que a engravidou aos 15 anos de idade e arrancou de seus braços sua filha, logo após seu nascimento, mandando a criança para um país que Laila não conseguia nem pronunciar o nome, estava morto.
Além de não sentir dor, Laila também não sentia nenhum remorso. Gostava da sensação de saber a verdade. Baodin o homem mais importante de toda Paramaribo não tinha morrido de ataque no coração. Não de forma natural como todos pensavam. Lembrou, então, daquele pozinho que comprou na casa de venenos para matar ratos. Aquele pozinho que foi depositado por ela no último café que Baodin tomou. E, por um instante seus lábios se abriram num sorriso torto no canto da boca. Os versos que pensou em falar pareciam inúteis. Aquele sorriso era de maior valor.

Quando o homem que um dia amou perdidamente e com quem teve uma filha passou por ela, naquela caixa de madeira, deixando rastros de poeira pela rua, Laila se recolheu para casa. Tirou o vestido e as jóias e colocou uma roupa simples, confortável, daquelas que usava em casa. E, com uma satisfação que há muito não sentia, voltou a fazer um casaco de tricô que havia começado dois dias antes, cantarolando uma canção em javanês. O inverno estava chegando à capital do Suriname e ela sabia que muitas encomendas estavam por vir.

Por Luciana Chernicharo

7 comentários:

Unknown disse...

Adoreeeeeeeeei, Lu! =)

Muito mesmo! Me surpreendi qd vi que o encontro era com um cara morto! Melhor: por ela! rsrsrs

Vc é ótima!

Minha irmã, meu orgulho! =)

Te amo! Saudades! Bjks!

Anônimo disse...

Nossa, perfeito..da agonia de terminar, vc sempre acha que é uma coisa equando ve é outra..
ficou demais!!!

você escreve muuuito.
beijos te amo

Juliana Machado disse...

Caraca Lu, me surpreendi de novo!

Excelente!

Fiquei arrepiada, depois ri, várias sensações, mto bom! =)

Parabénss!!!

Quero ser umas das primeiras a ler um roteiro seu, tá?!

Luciana disse...

Amor!

Adorei o texto...Já tinha lido antes né? :)

te amo beibe!

Bárbara Peluzio Zan disse...

Lu....EXCEPCIONAL!!!Não somente "LAILA", mas TODOS....!!
Sei que O JUDICIÁRIO está perdendo uma EXCELENTE ADVOGADA, mas a "ARTE" não poderia deixar passar uma "escritora" como essa!!
Amei!!Que TUDO se encaminhe nesta nova etapa no CINEMA!!
Bjus
Bárbara Zan

isaa :) disse...

caraca Lu! Muito maneiro! Você escreve muito bem.. é brilhante.
Oi, cineasta! :)

Jack disse...

posta mais!!!