segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Só o Abraço.

Ela se sentia num filme do Almodóvar. Assim como o criador de mulheres complexas e inesquecíveis a menina parecia estar dissecando, pela primeira vez, um tipo de universo dos homens que conjugava a sabedoria trágica de um líder com a ciência benevolente de um afortunado. E, com a sua dimensão dramática e humana - a lacuna de um dos bons tipos masculinos: os canalhas.

Como quase qualquer mulher de um clássico filme do diretor, ela estava à beira de um ataque de nervos, seguindo cartilhas específicas daquelas que acabam de terminar um romance. Só que desta vez, parecia ter abandonado sua fidelidade de estilo. Deixou de lado o passado, embora não o tenha esquecido, e encontrou um outro clássico personagem do cinema.

Ficou casualmente com ele, que nunca estaria num filme com ela. Não era o tipo dela, nem mesmo na vida real. Ele fazia o papel perfeito dos que machucam os corações das mocinhas em comédias românticas americanas. O humor inspirado, as mentiras boas de se ouvir, o jeito certo de ser grosseiro e carinhoso. Mas, ao contrário das mentiras que esses filmes contam pras meninas, que crescem na esperança de que amor é capaz de mudar um homem assim, ele era de verdade. E não mudaria. Nem mesmo se aprendesse a amar alguém.

Mas pra ela isso não importava e nem mesmo passava em sua cabeça. Nessa narrativa em meio a histórias de paixões súbitas e não correspondidas, traições e vinganças pessoais tudo ficou mais intenso. Cenas passaram a ser sublimes, imagens que só mesmo o cinema - e cineastas do garbo de Almodóvar conseguiriam criar, estavam ali diante dela.

350 ml vezes 12. Isso foi o que ela bebeu de cerveja. Mais uma dose de vodka. Receita perfeita para o sucesso. Saíram dali e foram pra casa dele. Ficaram. Nunca foi tão ruim pra ela. Não era adepta ao sexo casual, mas essa não era a questão. As coisas não se encaixaram. No mal sentido se encaixaram. Mas, no bom sentido, ela chorou. Lembrou do ex - namorado, viu fotos da namorada dele no quarto e tudo foi ficando pesado. O banal se transformou em extraordinário. O quarto que cheirava a motel, a lágrima que caía do rosto dela enquanto os dois estavam juntos, o que acontecia sob o lençol. Páginas ao vento. Um quebra-cabeça de fotos picotadas.

Lembrou então, de "Abraços Partidos". Era esse o filme que ela parecia estar. As cores vibrantes daquela festa, a trilha sonora pontual e o melodrama sufocante de Almodóvar. E que parecia agora o seu melodrama. Ela pensava nele e em tudo que tinha acontecido de forma muito intensa. Pensava de forma muito intensa porque tudo tinha sido muito raso. Ele pareceu outra pessoa quando amanheceu. Tão superficial, leviano, aparente...

Pra ela, o que tinha acontecido naquele momento podia ser comparado a esse filme. Ela fez o mesmo que o diretor e assim pensou: dizer que Almodóvar errou é uma afirmação um pouco arriscada. Dessa vez ele inseriu a metalinguagem como seu principal motor, fazendo diversas e deliciosas auto-referências. No entanto, o cineasta perdeu o tom em algumas cenas e concedeu um desfecho sem surpresas. E era isso que ela não gostava. Vivia de forma intensa. Encarava as pessoas de forma intensa. Não gostava de histórias mal acabadas e nem de histórias que não precisavam começar. Pra que desfechos sem surpresas? Ela não tinha gostado do filme, e também não estava gostando daquilo que nem mesmo podia chamar de uma história que aconteceu...

Mas, pensou que assim como "Abraços Partidos" não é o melhor de Almodóvar, o que se passou também não precisava ser o melhor. Guardava sempre essa expectativa de que novas experiências precisavam de superação, mas percebeu que a noção de fracasso quando esse "melhor" não vem, é injusta.

Entendeu que mesmo sendo superficial, canalha, ruim de cama, vazio, ela gostava dele. Gostava dele como pessoa. Não tinha nenhum sentimento de desejo, mas tinha afeição. Gostava de conversar com ele. E até sentiu saudade das coisas estúpidas que ele falava. Nunca acreditava nele. Mas quem disse que se precisa acreditar em alguém pra se gostar dela? Sente que aprende alguma coisa com ele, apesar de achar que é ele quem precisa aprender.

No fim das contas, ela acha que ganhou um amigo. E tem certeza de que ele não sente e nem tem idéia disso. Mas ela sente e não costuma desacreditar nos seus sentimentos. Depois de ter ido parar no quarto dele, a única coisa que se lembrou com carinho foi do abraço dos dois. Daquele abraço apertado, acolhedor e partido.

Pensou que essa história passageira e a do filme em si não são lá muito inspiradoras. E se perdem mais ou menos após uma hora de filme e um dia de vida, quando o diretor ou ela, se preocupam demais em criar um gancho dramático para a conclusão.

"Abraços Partidos" se torna um grande filme graças a seus "melhores momentos", e não por seu conjunto, que é desequilibrado. Assim como a vida, que incomoda, pensou ela. A vida dela, a intensidade dela. É alma demais que não cabe no corpo.