sábado, 28 de novembro de 2009

Ela, Ele.

Ele era vinte anos mais velho que ela. Era um sujeito esquisito, baixinho e barbudo. Sua orientação sexual era por demais contestada. Na verdade, não havia nada de contestação. Sua predileção por homens era evidente. Mas isso não impediu que ela se encantasse por ele. A palavra encantasse sempre foi usada por ela, porque apaixonada ela nunca esteve. Era uma espécie de admiração e novidade. Tudo era demasiadamente novo e ela adorava isso.

Contava as horas para chegar àquela aula de segunda-feira. A semana começava de um jeito totalmente diferente com as palavras dele. E recomeçava todas as vezes que ela o encontrava nos corredores. E acabava quando ela não conseguia mais vê-lo. A partir daí ela recontava os dias para chegar segunda-feira de novo.
Quando chegou março e as chuvas apertaram, ela pegou uma carona com ele e, subitamente, como um pingo de chuva que cai do céu, percebeu que o que sentia era, de alguma forma, retribuído. Ele a tratou de forma diferente longe da cosmologia das aulas.

Viraram amigos. Conversas duravam horas. Ela ficava um tanto mais encantada quando ele, naturalmente, falava de todas as coisas que sabia. E não eram poucas. Seus olhos brilhavam quando ele se pronunciava e, dessa vez, ela sentia que era pra ela. E ele, estava confuso. Ele estava apaixonado. Estava com a confusão de quem está apaixonado. Não se sentia atraído por mulheres há muito tempo. Mas, por ela era diferente. Ela tinha essa coisa audaciosa e a flor da pele da juventude, mas tinha algo que a deixava ainda mais atraente. Um “quê” de velhice, dizia ele.

Foi na casa dele que os corpos tomaram outra forma. Diante daqueles inúmeros livros, filmes, quadros. Estavam envolvidos. E ela passou a freqüentar aquela casa em frente a praia sempre que podia. Era uma forma esquisita de se relacionar. Ela achava isso. Os dois queriam discrição. Ela porque era aluna dele e tinha namorado. Ele porque era o professor.

A relação dos dois não envolvia todas as horas do dia. Era limitada ao espaço-tempo daquela casa. Ela descobriu mais que o encantamento. Nunca tinha se sentido tão bem com um homem. Sentia que mandava naquilo tudo. Era ele o apaixonado. Ele a procurava nas horas em que os dois não tinham combinado um encontro. Ele sentia a falta dela. Ela estava nele. Ele era ela. Vestiu-se dela, tornou sua vida uma espera ao encontro dela. Mas ela, apesar de todo encantamento, vivia sua primeira aventura. Não queria perder o doce sabor do que é uma aventura. Mas pra ele esse sabor era amargo. Cansou-se de ser só uma aventura.


Os dois brigaram. Se feriram a fogo. Machucaram-se. Depois de exatos oito meses vivendo assim. Ele queria todas as horas do dia. Ela não.
Ele se arrasou. Ela também. Ficaram quarenta dias sem notícias. Quarenta dias exatamente. E foi no quadrágesimo dia que ela o ligou desesperada e disse que tinha algo sério a dizer. Ele não queria encontrá-la. Não havia nenhum dia em que ele não pensasse nos momentos dos dois. Nas conversas sobre a vida e o amor. Nas vezes em que o amor físico nascia com a trilha sonora que os dois escolhiam. Ela se desesperou.

Ele não agüentou o desejo de encontrá-la e ligou. Mesmo sabendo da menina cruel. Não hesitou em procurá-la num lugar escondido na praia onde os dois costumavam ir. E foi lá que ela revelou que estava grávida. Dele.

Ele queria o filho. Em toda vida, nunca tinha tido coragem de tê-los. Ela não. Pensava em ter filhos mais tarde. Brigaram, ameaçaram, choraram. Ela fez um aborto. Contra a vontade dele. Ele implorou para cuidar do filho sozinho, mas ela não permitiu.
Ele viu no filho um alento para sua solidão. Ela viu uma alma que veio apressada demais.

Distanciaram-se, mas não há uma hora, minuto ou segundo que ela não pense nele. E não há um instante que ele não pense nela. A angústia da separação se tornou sentimento perene.

Ele descobriu que encontrou o amor em sua forma mais pura. Sem preceitos de sexo ou idade. Encontrou o amor pelo amor. Ela também. Mas o destino até agora não fez com que os dois compartilhassem dessa descoberta.